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artigo do Jornal Diário Insular com o título: "ESTUDO SOBRE ECOLOGIA ACÚSTICA EM CURSO NA ILHA TERCEIRA"

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"ESTUDO SOBRE ECOLOGIA ACÚSTICA EM CURSO NA ILHA TERCEIRA"

Paisagem sonora de vento e mar prejudicada por automóveis.

A paisagem sonora da ilha Terceira é feita de mar, vento... E automóveis. O resumo é feito por Úrsula Bravo, investigadora que está a desenvolver um projeto na área da ecologia do som, no seio da Universidade dos Açores.
"O vento e o mar são sons constantes na ilha, mas os carros também. Mesmo nos sítios mais altos, por vezes está-se numa paz perfeita e esse silêncio é cortado pelo som da passagem de um automóvel ou de uma motorizada", afirma.
Do ponto de vista de Úrsula Bravo, cenários como as ilhas açorianas são ótimos para apostar em viaturas elétricas. "Penso que seria preciso tentar implementar estas novas tendências tecnológicas", salienta.
A investigadora espanhola está na Terceira através do programa de intercâmbio Eurodisseia, para trabalhar com o Grupo da Biodiversidade dos Açores, sob orientação de Ana Moura Arroz.
O objetivo é desenvolver estudos sonoros, no âmbito da criação de conteúdos interpretativos sobre a cidade de Angra e a Terceira, para o projeto "Angra, Aurora do Ocidente", sob a coordenação de Ana Moura Arroz, Isabel Amorím, Luís Maciel e Marcela Sobral.
"Agora vamos realizar um workshop de paisagens sonoras da cidade de Angra do Heroísmo, na Escola Básica Integrada Francisco Ferreira Drummond, juntamente com os meus companheiros Claudia Chavez e Juan Miguel Marin e com os alunos do oitavo ano", explica Úrsula Bravo.
Deste trabalho nascerá um concerto, "integrado nas comemorações da UNESCO", a 17 de novembro.
No seu todo, a paisagem sonora da ilha é natural, mas com manchas. "No centro da ilha, os sons são naturais, mas o barulho dos carros é muito presente", reforça.
A ecologia acústica ou ecologia do som estuda a forma como a paisagem sonora de um determinado local se vai alterando. Os sons que nos rodeiam afetam-nos e influenciam o ritmo da Natureza. "O ambiente dá-nos uma imagem acústica. A ecologia do som faz um trabalho dentro dos diferentes espetros, das frequências da Natureza, dos animais e dos humanos. Procura trabalhar para atenuar o impacto da máquina e do humano nos animais, deixando esse espaço expressivo livre para que possa acontecer essa harmonia", adianta a investigadora.
"O próprio som condiciona as plantas e a Natureza a desenvolverem-se de um determinado modo. A paisagem sonora é algo muito interessante", acrescenta.
No caso dos humanos, também há efeitos, como o isolamento e a depressão. "As pessoas são afetadas com insónia, individualismo. O individualismo pode ser visto como uma doença, na verdade. Como algo que leva à depressão, à incapacidade de comunicar. Nas grandes cidades isso acontece. Não se consegue falar com quem nos rodeia, com o teu vizinho. Há o barulho dos carros... É preciso levantar a voz para nos fazermos ouvir", reflete.

Base sonora da Terceira
Úrsula Bravo tem recolhido, pela Terceira, os mais variados tipos de sons, desde as ondas e as aves marinhas na costa até às ruas atarefadas da cidade de Angra do Heroísmo.
Os sons são como uma fotografia, argumenta. "É captado um momento e depois, quando se ouve, podemos observar as interações que há entre o animal, o humano, a Natureza", diz.
As transformações são observadas com o passar do tempo. Em casos extremos, podem ver-se mudanças num espaço tão curto como um ano.
No âmbito do trabalho que está a desenvolver no Grupo da Biodiversidade dos Açores, Úrsula Bravo pretende construir uma "base sonora" da ilha, para que "com o tempo, alguém que o pretenda possa fazer essa comparação".
Úrsula Bravo é espanhola. Quando regressar ao seu país, quer deixar alguma coisa na ilha. "Fica essa base sonora e também o trabalho que estamos a fazer na Escola Francisco Ferreira Drummond. Queremos construir um programa educativo para recolha de sons e escuta profunda que possa ser aplicado por qualquer professor, em qualquer escola", resume.
Da Terceira, ela levará também consigo os sons mais marcantes. "Fui com alguns cientistas ao alto da Serra de Santa Bárbara e estive a gravar o vento e soava a algo antigo, ancestral. Foi um momento muito forte", conta.
Os sons de Angra
O trabalho de Úrsula Bravo debruça-se sobre a ecologia, mas também tem uma componente de investigação cultural.
Agora, diz, está a trabalhar com os sons da cidade de Angra do Heroísmo. "Outro investigador que está na Terceira através do programa Eurodisseia, Juan Miguel Marin, é historiador e estamos a fazer uma recolha muito interessante", adianta.
O projeto "Angra, Aurora do Ocidente" terá ligação ao Centro Interpretativo de Angra do Heroísmo.
Sobre Angra, fala de um lugar atualmente ruidoso. "É uma cidade barulhenta, devido aos carros, que fazem um som incrível. Mas também há coisas muito próprias. Uma colega chamou-me a atenção para uma questão: As ruas mais largas de Angra são verticais e as horizontais são mais estreitas. Isso faz uma acústica muito interessante", descreve.
Em Angra, para além de persistente, o barulho dos carros é forte. "Uma das coisas do som é a pressão sonora da onda, que fica no nosso corpo. Quando há muito tráfego, isso tem o seu efeito nas pessoas", adianta.
Já a nível histórico surgem elementos como os sons dos sinos. Úrsula Bravo está a trabalhar no sentido de ter acesso a sons antigos, para fazer uma comparação com os atuais.
Contudo, a cidade ainda é silenciosa para os turistas que nos visitam. "Fiz algumas entrevistas e os turistas adoram o silêncio e encontram-no em todo o lado. Sublinham isso, que é muito silencioso e tranquilo, em comparação com os sítios de onde chegam. É uma cidade que lhes permite caminhar em tranquilidade. O silêncio, aqui, é algo muito importante", explica.
A rapidez com que a paisagem sonora da ilha se pode alterar dependerá da profundidade das mudanças que atravesse, pelo que sublinha não ser possível avançar conclusões.
Em Espanha, a investigadora vive hoje numa pequena freguesia. "Também no espaço natural, mas é muito diferente. É um lugar muito isolado. O próprio ambiente, a humidade da ilha, afeta os sons. Quando o som se liberta num ambiente húmido, persiste mais, é o que consigo observar aqui", considera.
Úrsula Bravo começou a interessar-se pelo mundo da ecologia acústica como um caminho para compreender a forma como os sons interagem com as pessoas. "Desde quando eu era muito pequena, os sons mexiam muito comigo. Era muito sensível, adorava música e cantar... Conforme fui crescendo, quis entender porque era assim, porque os sons me afetam tanto. Fiz antes um curso de Design Gráfico. De certa forma, comecei por tentar perceber o que seriam os sons, visualmente. Depois descobri que a ecologia dos sons é uma área incrível", conta.
Ecologia Acústica

O som da Natureza
A ecologia do som vai ao pormenor. Pode detetar, num determinado ambiente, alterações que nunca seriam visíveis através de fotografias e de outro tipo de medições.
"Fotografias e imagens de satélite são ferramentas importantes para acompanhar a desflorestação, mas nem sempre é possível detetar a degradação parcial através dessas imagens, já a sonoridade do ambiente pode revelar muito mais sobre o equilíbrio da biodiversidade. A utilização desse tipo de ferramenta para a medição da biodiversidade é conhecida como ecologia acústica (soundscape ecology)", explica, por exemplo, um artigo no site "ECycle".
Esta área científica começou a ser desenvolvida por nomes como Bernie Krause, ecologista e músico. Para além de ter captado sons naturais nos mais variados pontos do mundo, Krause ficou conhecido por trabalhar com músicos e bandas como Bob Dylan, The Doors e Rolling Stones. Foi Bernie Krause que ajudou a criar os efeitos sonoros do filme "Apocalipse Now".
A disciplina é, assim, bastante recente, datando do início dos anos 70. Dentro da ecologia do som, surge a bioacústica, que estuda a comunicação dos animais.
Num ambiente natural, como descreveu Bernie Krause, as diferentes espécies funcionam como uma orquestra. Uma rutura nesta harmonia pode levar à migração de espécies ou dificultar o processo de reprodução, por exemplo.

 In Diário Insular, Nº 22820, 23/10/2019
 

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